A Ilegalidade do Cancelamento do Plano de Saúde Durante Tratamento Médico
O objetivo desse artigo se concentra em analisar as regras para rescisão unilateral dos planos de saúde e a ilegalidade do cancelamento do contrato durante a realização de tratamentos médicos.
Antes de passar a analisar as possibilidades de rescisão dos contratos de assistência à saúde, importante contextualizar que existem três modalidades de planos de saúde previstos pela Lei 9.656/98, são eles:
Individual ou familiar;
Coletivo empresarial;
Coletivo por adesão.
A modalidade do plano contratado influencia designadamente nas hipóteses e regras legais para o cancelamento do contrato.
Regras Gerais para Cancelamento de Planos de Saúde
No caso de planos individuais ou familiares, as operadoras não estão autorizadas a fazer o cancelamento do plano de saúde de forma imotivada. Dessa forma, em exceção para casos fundamentados na ocorrência de inadimplência por período superior a 60 (sessenta) dias, nos últimos 12 meses de vigência do contrato, ou se houver fraude.
Merece destaque o entendimento dos tribunais de que os pseudos contratos coletivos com menos de 30 vidas devem respeitar as regras de rescisão dos planos individuais ou familiares. O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que nesses contratos há maior vulnerabilidade do consumidor e as bases atuariais são semelhantes às das modalidades individual ou familiar.
No tocante aos planos coletivos, mais comuns entre os beneficiários, embora a lei não seja expressa acerca dos termos para a rescisão contratual, é pacificada em compreensão conjunta ao posicionamento da ANS e do Judiciário, a possibilidade de cancelamento imotivado do plano coletivo desde que respeitados requisitos mínimos, quais sejam:
Existência de clara previsão contratual;
Observância de prazo mínimo de vigência contratual de 12 (doze) meses;
Notificação ao beneficiário com antecedência mínima de 60 (sessenta dias).
Vale lembrar que a possibilidade de rescisão do contrato não deve implicar na total desoneração do convênio às obrigações entabuladas, resultando no abandono do consumidor, de modo que é obrigação do plano de saúde ofertar ao beneficiário a possibilidade de aderir a plano individual ou familiar em condições similares ao produto cancelado e com portabilidade de carência.
Outro ponto importante é que embora a ANS tente incutir a prevalência da notificação prévia no prazo estipulado em contrato, já restou pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça que a rescisão imotivada deve respeitar necessariamente a antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.
Contextualizados tais pontos, fica tranquilo perceber que existem requisitos definidos para a rescisão unilateral do plano de saúde, e que o desrespeito a tais medidas configura prática de ato ilícito, passível de indenização ao beneficiário lesado e aplicação de penalidade à operadora de plano de saúde.
Impossibilidade do Cancelamento Durante Tratamento Médico
A responsabilidade das prestadoras de assistência à saúde frente aos beneficiários em tratamento médico não se encerra com o cumprimento dos requisitos previstos para rescisão contratual, ou seja, ainda que precedida a notificação da rescisão do contrato com antecedência de 60 (sessenta dias) e ofertado novo plano, a operadora deverá manter a assistência prestada nas mesmas condições enquanto perdurar o tratamento do paciente.
Isso porque, o consumidor que contribuiu de boa-fé e contou com o respaldo do plano de saúde não pode simplesmente ser desamparado durante o tratamento médico garantidor de sua sobrevivência e/ou essencial à manutenção de sua incolumidade física.
Nesse compasso, o Superior Tribunal de Justiça mais uma vez privilegiou o direito do consumidor e a segurança jurídica ao fixar tese no Tema Repetitivo 1082:
“A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência, ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida.” (REsp 1.846.123-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, unanimidade, j. 22/6/22, DJe 01/8/22 – Tema Repetitivo 1082).
Deste modo, ainda que aplicadas as regras previstas para a rescisão do contrato de plano de saúde, é imprescindível que os convênios sigam prestando assistência aos beneficiários nas mesmas condições anteriormente ofertadas até efetiva alta médica, com base na interpretação dos artigos 8º, § 3º, alínea b, e 35-C, incisos I e II, da Lei n. 9.656/1998, bem como do artigo 16 da Resolução Normativa DC/ANS n. 465/2021.
Cancelamento do Plano Durante o Tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA)
Ao longo dos anos, com o aprimoramento da medicina e do diagnóstico, foi constatado um aumento relevante dos casos de TEA. Tal avanço não ocorreu somente na possibilidade de diagnóstico, mas especialmente nas alternativas para tratamento.
É de amplo conhecimento que o tratamento do transtorno do espectro autista passa por acompanhamento multidisciplinar e possui caráter contínuo e vital para manter as melhores condições físicas e psíquicas dos pacientes.
A jurisprudência é unânime acerca da proibição da descontinuidade do tratamento TEA em virtude do cancelamento do plano de saúde, observando o Tema 1082 do Superior Tribunal de Justiça.
O entendimento sedimentado pelos tribunais considera ainda que, mesmo havendo motivo para o cancelamento, a rescisão ou a suspensão de plano de saúde não pode resultar em risco à preservação da saúde e da vida do paciente que se encontra em tratamento, sendo obrigação da operadora assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais.
Em Conclusão
Conclui-se que o judiciário, de forma acertada, não deixa margem de dúvidas acerca dos direitos bem sedimentados concernentes aos beneficiários de planos de saúde. Oferecendo respostas rápidas aos conflitos cotidianamente gerados, privilegiando o direito fundamental à saúde, à vida e aos ditames do Código de Defesa do Consumidor.
Apesar de comumente nos depararmos com flagrantes abusividades praticadas pelos planos de saúde, o presente artigo focou em demonstrar que existem regras previamente estabelecidas para a rescisão dos contratos de assistência à saúde. Especialmente esclarecer sobre a proibição e ilicitude da rescisão unilateral do contrato por iniciativa da operadora durante a realização de tratamento médico, incluindo-se o tratamento do transtorno do espectro autista (TEA).
Nos casos em que o beneficiário for lesado pela rescisão unilateral do contrato de plano de saúde, é essencial buscar apoio jurídico com advogado. Dessa forma, atuará para ser garantido com urgência a manutenção da prestação dos serviços e continuidade do tratamento.
Perguntas Frequentes
O plano de saúde pode cancelar meu contrato enquanto estou em tratamento médico?
Não, o plano de saúde não pode cancelar o contrato enquanto o beneficiário estiver em tratamento médico essencial à sua saúde.
Quais são os requisitos para a rescisão de um plano de saúde coletivo?
A rescisão deve ter previsão contratual, observar um prazo mínimo de vigência de 12 meses e ser notificada com antecedência mínima de 60 dias.
O que devo fazer se meu plano de saúde for cancelado durante um tratamento?
Procure imediatamente um advogado especializado para garantir judicialmente a continuidade do tratamento.
É possível realizar a rescisão do plano de saúde sem motivo?
Sim, no caso de planos coletivos, desde que observados os requisitos legais e contratuais, a rescisão pode ser feita imotivadamente.
O tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode acabar sendo interrompido pelo cancelamento do plano?
Não, a jurisprudência assegura a continuidade do tratamento do TEA mesmo em caso de cancelamento do plano de saúde, garantindo a assistência necessária ao paciente.
Maria Fernanda Geiger Alonso. Advogada. Especialista em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduanda em Direito Médico e Bioética pela PUC Minas. Confira também em: https://www.instagram.com/denicolaadvog/
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